Gluten free close-up of raw coconut, flour and chips

Glúten e Doença Celíaca – Entrevista à Dr.ª Rita Jorge, Nutricionista da Associação Portuguesa de Celíacos (APC)

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A moda APNdas dietas sem glúten tem vindo a ganhar “seguidores” no padrão alimentar de muitos portugueses. À parte das tendências alimentares do século XXI, muitas vezes dadas a conhecer pelas redes sociais e com alguma falta de fundamentação científica, há uma condição clínica inerente ao consumo do glúten e que afeta milhares de portugueses: a doença celíaca. Para responder às muitas questões inerentes a este tipo de alimentação e para que possa ver respondidas aquelas que eventualmente são as suas dúvidas, entrevistámos a Dr.ª Rita Jorge, nutricionista da Associação Portuguesa de Celíacos (APC) que muito amavelmente aceitou o nosso convite.

O que é a doença celíaca?

Trata-se de uma doença autoimune, que ocorre em indivíduos com predisposição genética e que se traduz numa intolerância alimentar crónica ao glúten. A ingestão de glúten desencadeia uma reação imunológica no intestino delgado que provoca lesões ao nível da mucosa intestinal traduzindo-se numa má absorção de nutrientes.

Como é que poderá ser feito o diagnóstico da doença celíaca?

O diagnóstico em si é fácil, o difícil é fazer com o que o profissional de saúde “se lembre” de que pode ser uma doença celíaca já que os sintomas são confundíveis com outras situações clínicas. Tem de se ter em conta o quadro clínico da pessoa e faz-se uma análise sanguínea específica para o diagnóstico desta patologia, atualmente já comparticipados pelo sistema nacional de saúde. Posteriormente, para confirmação, faz-se uma endoscopia digestiva alta com biópsia. Este exame deve ser realizado por um médico sensibilizado para a doença, que vá procurar a presença de lesões típicas desta doença. Com a ingestão de glúten existe a produção de anticorpos que vão atacar as vilosidades intestinais que vão ficando achatadas o que vai diminuir a absorção de nutrientes.

Que sintomas existem na presença desta doença? Ocorrem apenas a nível intestinal?

Os sintomas clássicos são gastrointestinais como diarreia, vómitos e prisão de ventre. Ainda nas crianças verifica-se a ausência de crescimento e não aumento de peso nomeadamente a partir dos 6 meses, com a introdução do glúten na alimentação. Atualmente os pediatras estão mais despertos para esta doença, o que permite que a criança não venha a evidenciar sintomas graves. Além dos sintomas gastrointestinais, podem ocorrer estomatites aftosas, quadro de irritabilidade, anemia crónica, esteopenias e osteoporoses precoces (não absorção de cálcio e vitamina D), infertilidade, problemas ao nível da tiroide, alguns casos de Diabetes Mellitus, depressão. É por existir uma vasta possibilidade de sintomas e tão pouco específicos, que se torna difícil o diagnóstico.

Qual é a diferença entre a doença celíaca e a intolerância ao glúten?

Além dessas condições clínicas existe ainda a alergia, nomeadamente alergia ao trigo. No caso da doença celíaca, é uma reação imunológica com forte componente genética e é crónica. Nas intolerâncias não há resposta imunológica, não há componente genética e pode não ser crónica, depende sempre da intolerância do organismo. Por exemplo, a intolerância à lactose pode aparecer em qualquer fase da vida e depois desaparecer ou atenuar-se. Atualmente, fala-se ainda da sensibilidade ao glúten não celíaca que acontece em pessoas que não têm testes para a doença celíaca positivos, mas que ao retirar o glúten da alimentação tem alívio de diversos sintomas. Este caso já começa a ser reconhecido pela classe médica e tem vindo a ser estudado mas ainda é uma questão recente e só deve ser considerado após realizar os exames para a DC.

Todas estas situações clínicas se tratam com a retirada do glúten da alimentação.

E afinal, onde é que podemos encontrar o glúten na alimentação?

O glúten está presente no trigo, centeio e cevada e obviamente que todos os derivados contêm glúten na sua composição (espelta, kamut…). A aveia, ainda que seja bastante controversa, a Associação Portuguesa de Celíacos continua a considerar a aveia nos alimentos proibidos porque não existe aveia pura em Portugal, estando sempre sujeita a contaminação cruzada. A aveia naturalmente não contém glúten, por isso, cultivada em condições próprias não constitui perigo. Outra questão alusiva ao consumo de aveia prende-se com o facto de que, uma pequena percentagem dos doentes celíacos, desenvolve também reação à avenina, componente da aveia. Quando um celíaco quer introduzir aveia na sua alimentação, mesmo que certificada, deve fazê-lo de acordo com critérios específicos e as devidas precauções, sempre com acompanhamento médico e nutricional.

Qual é o papel da Associação Portuguesa de Celíacos no acompanhamento das pessoas com o diagnóstico de doença celíaca?

Temos um serviço de nutrição e prestamos apoio ao recém-diagnosticado ou com diagnóstico feito anteriormente para aconselhamento. É feita uma educação alimentar específica para a doença no sentido de que a pessoa possa perceber o que pode ou não comer, que alimentos contêm ou não glúten. Também ensinamos a fazer a leitura de rótulos, o que se torna de extrema importância para a vida diárias destes indivíduos. Toda a informação dada e material é desenvolvido pela associação e é devidamente sustentado pela literatura científica.

A associação realiza ainda encontros científicos, dá formação e promove workshops de culinária. É desenvolvida ainda uma revista, dinamização de redes sociais e toda a parte de comunicação é desenvolvida pela própria associação.

O mercado e a restauração têm oferta suficiente para pessoas com doença celíaca ou ainda existem limitações neste sentido?

Ao nível de hipermercados e produtos embalados já existe muita oferta e encontra-se com muita facilidade. As pessoas que poderão sentir essa dificuldade, normalmente encontram-se no interior do país, onde a acessibilidade a estes produtos é menor. No campo da restauração é que ainda existem algumas limitações mas, ainda assim, tem vindo a registar grandes melhorias. Também devido a uma moda que se prende com a retirada do glúten da alimentação por outros motivos não alusivos à patologia, já existem muitos espaços de restauração com opções sem glúten. O problema para os celíacos, neste caso, é a contaminação cruzada e, por isso, alguns sítios com menus sem glúten podem eventualmente conter vestígios. Em casa, é possível controlar… dificilmente isso acontece num restaurante. A APC tem um projeto com uma empresa de higiene e segurança alimentar e, nesse sentido, realiza consultoria e certifica estabelecimentos aptos a uma alimentação totalmente isenta de glúten. Nesta questão, cabe ao celíaco ter sentido crítico e comprar alimentos apenas em locais certificados. O site da APC disponibiliza toda esta informação.

Uma alimentação sem glúten tem de ser obrigatoriamente mais cara?

Não, de todo. É verdade que os alimentos naturalmente com glúten na sua versão sem glúten são mais caros, no entanto, o celíaco não precisa de comer massa todos os dias, nem bolachas ou bolos. Existem cereais sem glúten mais caros mas também já existem marcas com preços idênticos aos cereais ditos normais. O pão sem glúten é mais caro mas pode ser feito em casa, ficando mais próximo dos valores dos outros pães de trigo ou de outro cereal. O mesmo acontece com os bolos: podem ser feitos em casa com farinhas isentas de glúten.

Relativamente “à moda”, existem pessoas que retiram o glúten da alimentação por opção. Há algum benefício associado ou alteração, por exemplo, ao nível do peso?

Não há estudos cientificos que indiquem que retirar o glúten sem nenhuma patologia presente ou sintoma, tenha benefício. Se uma pessoa, ao retirar o glúten, evitar comer uma série de alimentos processados, diminuir a quantidade de pão, massas, bolachas e bolos, que são normalmente alimentos mais calóricos, obviamente que terá diminuição de peso mas isso não acontece por causa do glúten, pelo menos de forma direta. É ainda importante referir que os alimentos sem glúten, processados, por vezes até são mais calóricos e com mais gordura que os alimentos originais.

Um agradecimento especial à Dr.ª Rita Jorge e à Associação Portuguesa de Celíacos. Visite o site em www.celiacos.org.pt. Alertamos ainda para o facto de que, se tem sintomas ou queixas associadas ao consumo de glúten, aconselhe-se com o seu médico gastroenterologista.

 

 

 

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